Sinto, logo aprendo

A professora Kátia Pelinson tem uma situação delicada à sua frente. Na sala de aula do Pré I do AB Sabin, alunos jogam a Corrida das Fichas. É um jogo simples: num tabuleiro, cada jogador tem uma trilha de casas a preencher com fichas coloridas; um por vez, lançam o dado, para saber quantas casas podem preencher; ganha quem primeiro completar sua trilha. Kátia percorre a sala de olho nas partidas, que se desenrolam nas diversas mesas, quando um princípio de conflito lhe chama a atenção. “Agora sou eu!”, protesta um aluno. A professora vê o que se passa e, cuidadosamente, escolhe as palavras para mediar a situação.

“Gabi, o Fábio está entendendo que você está jogando o dado muitas vezes”, diz Kátia. Um observador atento notaria que ela não repreende diretamente a aluna, nem lhe ordena que passe o dado ao colega. Ela sequer determinou que ele estava com a razão: o Fábio está entendendo que. A professora não quer tomar a decisão pela aluna; ela quer que a aluna perceba o que tem de fazer. Que Gabi entenda que deve dar a vez para Fábio jogar.

A cena é exemplar de como Kátia e demais professoras do AB Sabin e do Sabin lidam com crianças dessa faixa etária, que mal começaram a conhecer suas próprias emoções e a entender como elas se manifestam na vida em sociedade. Ante a frustração de uma derrota, ou a raiva de um colega que não passa o dado, ou a falta de paciência para esperar a sua vez, o aluno receberá da professora não a solução de um problema, mas uma mediação. Uma criança empurra outra como revide de algo que lhe desagradou? “Eu entendi que você não gostou do que o colega fez, mas não precisa empurrar; fale para ele do que você não gostou”. Um aluno chora porque o outro não o escolheu para o time e, portanto, não são mais amigos? “Ele disse que não era seu amigo? Vamos conversar para ver se é isso mesmo?” O trabalho, diz a professora, envolve apresentar estratégias de negociação – com o outro, com os próprios sentimentos – que, no futuro, os alunos terão em seu repertório.

“A qualidade da intervenção está em fazer o aluno perceber suas emoções e ensiná-lo a lidar com elas de forma construtiva”, diz Kátia, que tem um mestrado em Psicologia da Educação, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), sobre a dimensão afetiva do processo ensino–aprendizagem. Em outras palavras, sobre educação emocional. “Habilidades emocionais são as que possibilitam um relacionamento saudável entre as pessoas, tendo como base uma boa administração da dinâmica emocional”, diz a professora.

Para um educador, o crucial é que tais habilidades não são inatas ou imutáveis: ninguém nasce disciplinado, autoconfiante, cooperativo ou paciente, por exemplo; tampouco se pode dizer que alguém é de um jeito e sempre será. É possível aprender tais habilidades, praticá-las, aperfeiçoá-las, embora seja mais fácil adquiri-las na primeira infância. Por isso, professoras de pré-escola têm tantas oportunidades – e tamanha responsabilidade – de agir.

“Toda a rotina do trabalho da Educação Infantil tem como base a convivência em grupo”, diz Dionéia Menin, coordenadora pedagógica do segmento no Sabin. “Aprender a conviver é aprender a cooperar, a controlar impulsos, a esperar a hora de falar, a participar das brincadeiras, a respeitar os colegas. Mas isso não é só na sala de aula; é no intervalo, na hora do lanche, o tempo inteiro”.

Até porque não se trata de aprendizado simples, conceito que se ensina em poucas aulas. Reconhecer emoções, entendê-las e administrá-las é um processo que demanda maturação intelectual e neurológica da criança, a começar pela exploração do próprio corpo.

No Maternal, meninos e meninas de 2 a 3 anos experimentam tocar materiais de texturas e temperaturas diversas, como bolinhas de gel, areia, tinta, papel bolha. Entre outros objetivos, o projeto os estimula a dizer o que sentem ao tocar superfícies ásperas ou lisas, quentes ou frias. Parece simples, mas, ao verbalizar prazer ou desconforto, eles exercitam o repertório não apenas linguístico, mas sensorial. É um primeiro passo de uma trilha que avança para a identificação de sentimentos – quando a criança já reconhece expressões de felicidade, tristeza ou raiva, por exemplo – e para a constatação essencial de que ela não é a única que sente; seus colegas sentem também.

Segundo Dionéia, alunos dessa faixa etária ainda são, fundamentalmente, egocêntricos. “Ainda é tudo muito elementar: eu quero, eu não quero”, diz. Até aprenderem que querer não é poder e que a vida em sociedade exige autocontrole e discernimento para, inclusive, reprimir vontades, vai um longo caminho, no qual a escola e a família são parceiros necessários.

“A participação da família é superimportante”, diz Kátia Pelinson, citando situações cotidianas em que a postura dos pais pode ser tão valiosa quanto uma lição na escola. “Quando a criança grita para interromper a conversa do pai, é preciso dizer: ‘Espera o papai terminar de falar’. Quando a mãe vai resolver uma questão no banco e a criança pede para passar na loja de brinquedo, é preciso dizer: ‘Hoje não, a gente só vai ao banco’”. Outra dica de Kátia diz respeito aos jogos: “Joguem com seus filhos, mas de verdade, sem deixá-los ganhar toda vez”. A professora sabe que, por mais difícil que possa parecer, as crianças são capazes de lidar com suas frustrações diante de um jogo.

É só ver a Gabi e o Fábio, do AB Sabin, que, minutos depois da Corrida das Fichas, estavam se dando muito bem na sessão de fotos para esta matéria.

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